Revendo minhas
fichas antigas, relativas a acompanhamentos de pesquisas pisciárias,
encontrei uma que chamou-me a atenção pelo seu título, bastante
pitoresco e até certo ponto atípico. Intitula-se "O mistério
dos filhotes de Kribensis desaparecidos". Imediatamente
relembrei o fato que ocorrera na década de oitenta e, para ser
mais exato, consoante as anotações no rodapé da ficha - em
junho de 1986.
Naquela época estava na moda a criação de ciclídeos,
principalmente os africanos, e eu, como todo aquarista que se
preza, tinha que possuir também alguns exemplares, pois era o
assunto do momento nas rodas de "aquariofilia".
Optei pelo Kribensis (Pelvicacromis pulcher), que sempre fora o
meu favorito, principalmente pelo seu fascinante ritual de
acasalamento e procriação - "Na época do acasalamento o
macho efetua uma série de movimentos ritimados, para frente e
para trás, rodopios, paradas bruscas e tremedeiras no corpo que
impressionam a fêmea que acaba aceitando sua corte , sendo levada
a por seus ovos em local pré escolhido e limpo pelo casal .
Após
a desova ambos os peixes se revezam na vigilância dos ovos,
quando nascem os alevinos a vigilância é mais intensificada
ainda .Os peixes adultos nadam pelo aquário exibindo toda a sua
prole e, se algum movimento brusco for entendido como perigo os
pais, imediatamente , guardam suas crias na boca, e quando aquele
suposto perigo acaba, os pequeninos são
""cuspidos" para fora . O kribensis macho é um pai
extremoso , capaz de defender suas crias com violência pois, se
algum outro peixe se aproxima com a intenção de predar seus
filhotes, sem duvida é atacado e provavelmente morto " .
Procurei em diversas lojas especializadas em aquariofilía e não
encontrei, perguntei a alguns amigos criadores e revendedores de
peixes ornamentais e ninguém tinha, parece que os kribenses
haviam realmente desaparecido do mercado e, quando isto acontece,
quando reaparecem o preço fica bem mais alto.
Um dia, passando pela loja "Aquário Hoby ", no Centro
do Rio de Janeiro, vislumbrei alguns exemplares que estavam
expostos para venda, e apesar do preço bastante alto ,adquiri um
belíssimo casal que aparentemente estavam maduros sexualmente e
provavelmente prontos para procriar.
Observando todos os cuidados e atenções de praxe,
acondicionei-os ao aquário previamente preparado onde foram
checados todos os quesitos relativos a pH, DH, temperatura, vegetação
e substrato. Agora era só cuidar e esperar.
Com uma alimentação bastante diversificada e de primeira linha,
o casal não tardou a apresentar os sintomas de proximidade da
procriação, ou seja, o ritual que precede ao acasalamento.
Depois de quinze dias a família já estava formada .Passeando
pelo aquário, por entre as plantas e pedras, o casal e sua prole,
aproximadamente cinquenta alevinos, nadavam juntos num espetáculo
fascinante. Assim, passaram-se dez dias na mais completa harmonia,
até que resolvi separar os filhotes dos pais, transferindo-os
para um outro aquário onde receberiam um melhor acompanhamento,
possibilitando desta forma um crescimento mais rápido .
Mas aí
começaram os problemas.
O MISTÉRIO DOS FILHOTES DESAPARECIDOS
De uma desova de aproximadamente cinquenta alevinos, a cada dia
desapareciam cinco ou seis , sem deixar o menor vestígio. E iam
sumindo, sumindo , até que no final restavam apenas oito ou dez
peixinhos. Como eu só estava em casa `a noite , imaginava uma série
de fatos que poderiam ter acontecido como por exemplos crianças
desavisadas , ataque de pássaros, ratos , aranhas, mas todas
essas hipóteses eram muito improváveis.
A Segunda procriação não demorou muito a acontecer, e desta vez
o número de alevinos aumentou. Aproximadamente oitenta peixinhos
nasceram e a mesma história se repetiu , sobrando no final apenas
doze , o que considerei uma anormalidade, pois em anos anteriores
em que eu havia criado este ciclídeo sempre sobreviviam, em média,
noventa e nove porcento dos filhotes, e para completar se tivessem
morrido por certo estariam dentro do aquário.
Preparei - me para a terceira procriação, resolvendo monitorar
todo o processo. Muni-me de lupas e refletores adicionais e
esperei ansioso. Tudo ocorreu como nas primeiras vezes, o ritual
de acasalamento, a desova, o nascimento dos filhotes e por fim a
transferência para o aquário "berçário" , após o décimo
dia.
Como já era de se esperar, os alevinos começaram a sumir e eu
contrariado por não descobrir a causa pus-me a fazer anotações
nas fichinhas , tentando, talvez , quem sabe decifrar aquela
anomalia . Um dia, tarde da noite, como eu estava sem sono,
resolvi dar mais uma olhada no aquário problema. Parti para o
laboratório , acendi todas as luzes e chequei de novo o aquário
fatídico, aí descobri o terrível predador ou pior, os terríveis
predadores . Eram uma porção de larvas de libélulas (libelula
virgu), talvez uma dezena ou mais que ao sentirem a claridade,
correram a refugiar-se na raiz da chigoga que havia no aquário...Estava
descoberto o mistério.
Decifrando o mistério
Todos os dias pela manhã, eu colocava naquele aquário uma planta
de longa raiz submersa ,chamada chigoga (Eichornia Crassipes),
para que os peixinhos se alimentassem dos microorganismos que
proliferam em suas raízes.
Ocorre, entretanto, que essas plantas, eram cultivadas no fundo do
meu quintal, numa velha caixa d água ao ar livre. As libélulas
(conhecidas vulgarmente como "lavadeiras"),colocavam
seus ovos na água existente nesta caixa dágua, e em poucos dias
esses ovos transformavam-se em larvas que se escondiam nas raízes
das plantas. Essas larvas são vorazes , alimentam-se de pequenos
animais e tem hábitos noturnos.
Assim, a cada planta que eu colocava no aquário, trazia junto um
exército de esfomeados predadores ,que passavam todo o dia
escondidos nas raízes e saiam a noite para a "festa".
Estava finalmente descoberto o mistério.
Você que é aquarista, certamente já se deparou com um problema
no seu aquário, geralmente com mortandade de peixes, e que apesar
de sua experiência, não obteve uma resposta satisfatória. Se
todos os parâmetros aquariófilos conciliáveis estão corretos,
e a anomalia insiste em persistir, realmente isto se constitui num
"mistério".
Wilson Vianna
w.vianna@terra.com.br
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